Não venhas primavera
eu ainda não estou pronta...
falta limpar cardos, espinhos e mãos gretadas.
Está escuro ainda
e os dias são pequeninos como bréu.
Não venhas ainda.
Chove.
O tronco espera a seiva
bruta e viva
e as manhãs cheiram a mofo,
a titãs secas...
mortas.
Não venhas ainda
eu não estou pronta.
Outono dos crepúsculos doirados,
De púrpuras, damascos e brocados!
- Vestes a terra inteira de esplendor!
Florbela Espanca
A paixão incendeia madeiras secas e ramos verdes.
A alegria enfeita os frágeis laços do amor.
Os filhos dão sentido à caminhada......as viagens aventura, as experiências comuns memórias e cumplicidades.
Mas a dor solidifica!
A dor partilhada constrói nós.
O amor enrigesse,cresce,endurece, cola......
Há dias assim.
Apetece acordar d.e.v.a.r.i.n.h.o e agradecer.
Agradecer todas as benções maravilhosas que ainda tenho.
Porque cada dia é mais um recomeço, uma nova hipótese, uma nova vida.....
Game over ou...
...chegou a vez de passar o jogo.
Verão metamorfótico
longo e curto,
sem rumo,
só estrada.
Lento calor
carinata fasciculata
sufocada
rastejada.
Seiva quente
estridulante cantar.
E Thanatos ...
suspenso....
entorpecido
...dorme...
no meio do caminho.
Junho disfarçado de outono.
Passeata pela minha terra.
Lugares tão colados que quase já nem damos por eles.
Tão passados. Pouco revistos.
Revisitar.
Com outro olhar.
Gosto de maio.
Faz lembrar dias mornos e fins de tarde serenos.
Maio cheira a morangos, cerejas, mães e flores.
Tráz aniversários e reencontros. Feiras e livros. Leveza e liberdade.
Gosto do som de maio. Amarelo e doce.
As instituições que temos, hoje, estupidificam, quase sempre, as massas. Principalmente daqueles que não questionam, que não dão sentido ao caminho, que aceitam ordenadamente as regras do jogo.
E a escola actual é perita nisso.
A escola nem sempre permanece.
Principalmente quando foi má ou tão disfarçadamente nula que apagou memórias e vivências. Falo com amigos que não lembram nada desses ‘‘mágicos’’ anos. Acho estranho. Eu que lembro caras, cheiros, cores, sons, sensações….É verdade que ‘A educação é aquilo que permanece depois de esquecermos tudo o que nos foi ensinado’…e muito lá deve ter ficado, de certeza…mas acho estranho na mesma essas ausências.
O principal , desse anos, não foi de certeza a quantidade de conteúdos que conseguimos absorver, mas a qualidade de sensações positivas que nos estruturaram e deram sentido àquilo que hoje somos.
Por isso irrita-me essas falsas morais de que a criança, nessa etapa, perde ‘escola’, quando vive experiências pontuais com os pais. Perde NADA!!
A escola de hoje, é apenas um lugar. O conhecimento está em todos os lugares onde há partilha, cumplicidade e amor de pais.
Mas, a frustração de mãe aparece quando menos se espera.
Inventem-se novos pais, novos filhos, principalmente novas escolas!
Assim já não dá!
O sistema, tal como está, já deu o que tinha a dar. Tornou-se obsoleto, esquizofrénico, uma armadilha serviçal do poder e dos políticos. Há que manter as mentes adormecidas, desumanizadas e inconscientes.
Certo é que, grande número de professores, pais e alunos, não se sentem minimamente, realizados nestas suas ‘missões’. Esta insatisfação vem, acima de tudo, deste sistema que domestica, formata, seleciona e não deixa ser.
Bem, na verdade posso estar a exagerar....Mas esta semana tive em duas reuniões de pais. Numa delas os professores queixavam-se da falta de motivação dos alunos, da sua alienação e do vazio dos seus projetos. Em paralelo com uma enorme irresponsabilidade, desumanidade e falta de valores.
Dia rosa !?
Nem por isso.
Mas a PinK perseguiu-me todo o dia com Try, try,try.....
Será um sinal?!
Não sei.
Só sei que , finalmente ,amanhã não vai chover.
E...o que é que uma coisa tem haver com outra??- perguntam vocês- se houvesse vocês desse lado.
Nada. Não tem nada haver.
Mas hoje passei o dia a ouvir disparates.
Só com PinK volto ao lugar.
Vou continuar a procurar o meu mundo,
o meu lugar
Porque até aqui eu só...
Estou bem
Aonde não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou...
António Variações
Permaneci nesse corpo
Dissonante vertigem
Altiva e branca.
Não bebi em teu cálice
Corpo em alerta
Breve paragem.
« Ama!
Dentro do templo,ajoelha-te.
No estádio de futebol,grita pela tua equipa.
Numa festa , comemora.
Durante um beijo, apaixona-te.
De frente para o mar, despe-te.
Reencontras o amigo, escuta-o.
Ou então , muda tudo.
Se preferires:
Dentro do templo, escuta-O.
Durante um beijo,despe-te.
No estádio de futebol, apaixona-te.
De frente para o mar, ajoelha-te.
Numa festa,grita pela tua equipa.
Reencontras um amigo, comemora.
Mas AMA !!!!!»
M.M
Objetivo do mês: destralhar!
Há mais de dois anos que tento destralhar.
Hoje destralhei imenso e sinto-me muito mais leve!
Missão difícil e até dolorosa.
Não sou uma acumuladora compulsiva do TLC, mas tenho certa tendência para guardar coisas.
Atribuo mil significados: futura reutilização, futura aplicação, futuro uso, recordação passada, afecto passado, memória passada….
Estratagemas do ego!
Com esta história do passado e do futuro acabo por esquecer o presente,…o único que existe mesmo!
Há mais de um ano que roupas não são usadas, que tralhas não são úteis, que monos ocupam espaços preciosos de vazio.
E, se não lhes aconteceu nada durante anos, também não lhes vai acontecer nada futuramente.
Mas, à última hora, surge sempre aquela vozinha interna e enferma: « E se vieres a precisar…?», « E se for útil para alguma coisa….?»... «…e se….e se….».
Tretas!
Tenho de livrar-me de coisas e viver o HOJE.
Tenho de reeducar este apego emocional! Memórias ficarão sempre cá dentro. Onde devem estar!
Há que desocupar espaços e dar lugar à simplicidade.
E isso aplica-se também à tralha mental, a planos, projectos, ideias e pensamentos.
Há que limpar, simplificar, destralhar, minimizar, relativizar.
Tarefa difícil. Muito difícil e sinuosa.
Relativizar compromissos, estabelecer prioridades, trocar mapas por bússolas.
Ser consciente. Fazer escolhas ecológicas, controlar o tempo, desmaterializar, sentir leveza.
Em casa acham-me estranha e pensam que bebi litros de Red Bull. A empreitada é lenta e cheia de pequenos grandes passos.
Gradualmente, as camadas que me camuflam também vão tombando e vou -me redescobrindo e dando espaço a pormenores que realmente me apaixonam.
Haverá espaço, por fim, para dedicar-me ao essencial…e viver coisas novas, simplesmente.
Os meus alunos andam a perder os dentes. Sinal de crescimento e de novas descobertas. Maxilares maiores, cérebro maior.
Lembro do momento mágico, que vivi com a minha filha mais nova, nessa altura.
A fadinha dos dentes era infalível.
Trocas perfeitas entre caninos e moedas, entre molares e livros, entre incisivos e brinquedos.
Uma maravilha!
A certa altura, e já a explodir de curiosidade e de excitação, ela pôs-me entre a espada e a parede, e ultimou-me:
_ Mamã, diz a verdade, diz, por favor, diz! Tu é que és a fadinha dos dentes?! Não és!?
Pronto! Estava tudo acabado – pensava eu -. A magia tinha terminado, as asas tinham caído e o frasco do perlimpimpim chegara ao fim.
Desarmada, entreguei armas e ilusões.
_ Sim. Sou eu.
Mas, num ‘volt-fast’ surpreendente e digno do top das fadas, os olhos da minha menina abriram-se ainda mais.
Mil estrelas luziram, na sua infância feliz, e gritou de espanto e felicidade:
_Mamã!!!!!!!!!! Como consegues ir a casa de todos os meninos!!!
Nada tinha terminado, pelo contrário.
A magia da infância tinha rejuvenescido, tal Fénix renascida.
Li pela primeira vez, 'O diário de Anne FranK', com 12 anos.
Para mim, Anne era uma menina, com sonhos, segredos, projectos, ansiedades e angustias, como todas as meninas de 12 anos .
Esperava encontrar uma menina heroína: Mas ela era 'apenas' uma menina como eu. Por isso o seu testemunho era muito mais forte e intenso para mim. Por isso eu ria com as suas patetices e chorava com os seus dramas.
Foi com ela que relembrei a estupidez da guerra e a relatividade dos 'não' problemas.
Neste dia, Internacional da Memória do Holocausto, o meu post vai para a Anne e para todos, que ainda hoje, são vítimas de todos os tipos de tortura.
' Basta de brincadeira, deixa-me falar a sério. Não parecerá inconcebível ao Mundo, depois da guerra - digamos dez anos depois -, o que nós, os judeus, contarmos sobre a nossa vida aqui, as nossas conversas e as nossas refeições? Pois embora te tenha contado muita coisa, tu ainda só ficaste a saber uma pequena parcela desta vida.
O medo das senhoras, quando há bombardeamentos como os do Domingo passado, em que trezentos e cinquenta aviões ingleses lançaram meio milhão de quilos de dinamite sobre Ijmuiden e as casas estremeceram como as folhas com o vento.
E o terror das epidemias que grassam no país! Disto ainda sabes pouco, e seria preciso que eu escrevesse todo o dia se quisesse fazer um relatório completo. A população forma bichas para comprar hortaliça ou seja o que for. Os médicos não podem visitar os seus doentes, porque lhes roubaram o automóvel ou a bicicleta. Ouve-se falar de pequenos furtos e de roubos em grande escala, e eu pergunto a cada passo o que foi feito da honestidade dos holandeses, quase proverbial?
Crianças dos oito aos onze anos partem os vidros das habitações alheias e tiram tudo o que lhes vem parar às mãos. Ninguém tem coragem de deixar ficar a sua casa abandonada durante cinco minutos, pois, ao voltar, pode muito bem encontrá-la vazia. Todos os dias se leem nos jornais anúncios em que se prometem gratificações pela entrega de coisas roubadas, máquinas de escrever, tapetes persas, relógios eléctricos, tecidos, etc., etc. Os relógios das ruas são desmontados, e até se tiram os telefones das cabinas sem deixar ficar um pedaço de fio sequer.'
(...)
'Estas perguntas são legítimas, mas até agora ninguém soube encontrar-lhes uma resposta satisfatória. Porque é que na Inglaterra se constroem aviões cada vez maiores, bombas cada vez mais pesadas e, ao mesmo tempo, se reconstroem filas de casas? Porque é que se gastam todos os dias milhões para a guerra, se não há dinheiro para a medicina, os artistas e os pobres? Porque é que há homens a passar fome se, em outros continentes, apodrecem víveres? Porque é que os homens são tão insensatos?'
(...)
'Se Deus me deixar viver, hei-de ir mais longe do que a mãe. Não quero ficar insignificante. Quero conquistar o meu lugar no Mundo e trabalhar para a Humanidade.
O que sei é que a Coragem e a Alegria são os factores mais importantes na vida!'
Anne Frank
Hoje sonhei com a minha prima T.
Um dia, chegou orgulhosa dos seus 18 anos e disse-me com ar de quem já sabe muito: '_Acabaram- se os livros dos Cinco!’ _ ‘Temos de começar a ler os clássicos’.
Pôs me nas mãos o calhamaço ‘BenHur’, depois, tal como na expansão do império romano, a incursão aumentou. Vieram ‘Robinson Crusoé’,
‘A volta ao mundo em oitenta dias’, ‘Viagens na minha terra’, ‘Esteiros’, ‘D.Quixote’ e tantos outros que me alargaram os braços e a imensidão do mar e das palavras.…
Admirava-a em segredo e imaginava as recônditas histórias que ouvia a seu respeito. As crianças que crescem sem irmãos apuram o seu sentido de observação e veem coisas transparentes, que ninguém consegue perceber. Crescem atentas. Serão atentas toda a vida.
As tias falavam das perniciosas festas da gravata. Era o ano de 75 e o movimento hippie acalorava jovens portugueses acabados de sair de uma ditadura. Eu gostava de a ir buscar ao ISPA, ainda no Chiado. Apresentava-me aos amigos ‘grandes’ como se eu fosse ‘grande’ .E eu gostava. Tinha permissão para entrar no seu quarto, quando todos cantavam ‘Mamy Blue’. Ficávamos ali, em roda, pernas à chinês. Ricky Shayne e nós. Vozes arrastadas e as violas em uníssono. Levava-me à Gulbenkian em noites de inverno e injetava me com bailados russos e pas- de -deux acabados de chegar, pela mão do jovem Salavisa. O Lago dos Cisnes,La Sylphide, Coppélia, Raymonda, Festival das Flores e Romeu e Julieta,…
Oito anos nos separavam, ou talvez nos unissem. Eu era o barro, ela o oleiro, jovem e idealista. Lembro-me dela. Tanto! Como marcou essa minha serena e atenta infância! Como a salpicou com borrifos de lucidez e de tolerância. Como me ensinou a imensurabilidade do mundo lá fora e o prazer do ignoto.
Partiu antes da hora. Se é que há horas certas para partir.
Nunca pude crescer ao ponto de lhe dizer, como foi importante para mim.
Concordo.
Ela tem aquela vozinha snob e um aparelho ortodôntico que não lhe favorece a dicção, lhe prolonga as sílabas e sei lá, a …tipo…a futilidade.
Concordo.
Pode ser mimada e superficial. Pode parecer tonta e vazia. Pode ser queque e inconsciente.
Mas chega de tanta hipocrisia!!!
Queriam o quê !?
Aqueles velhos e falsos discursos, das candidatas a Miss Universo, que tinham como sonho e máxima, o fim da fome em África, o desaparecimento do buraco de ozono e uma série de finais felizes arrancados das suas recentes histórias da Cinderela, com ‘… e foram felizes para sempre’.
Queriam o quê!?
Vivemos num mundo dominado pelo dinheiro, pelo consumismo, pela aparência. Abro a televisão e inundam-me com famas shows, mundos VIPs, casas de segredos, Lux, Caras e histórias de famosos.
Queriam o quê!?
Chamá-la à televisão e cruxificá-la com falsas morais é que me escandaliza!!!
Maria José Ruela ,qual a marca da sua mala?
Onde está o seu profissionalismo jornalístico quando fez aquelas perguntas?
Se não fizesse perguntas idiotas o que gostaria de perguntar?
Está arrependida de fazer parte deste vale tudo, menos arrancar olhos!?
Tenham paciência!!
Não é a minha prioridade, nem vou concretizar este desejo…mas eu queria uma Louis Vuitton ( verdadeira), igual a essa aqui debaixo :
Qual é o problema ?!
Não há pachorra para tanta hipocrisia!!
Há dias reais, em que chego a casa ainda viva.
Saio tarde da escola, com trabalhos pendentes e sacos cheios de projetos inacabados, que vão acabar por pernoitar no porta bagagens.
Faço compras pouco pensadas, visualizando listas que ficaram esquecidas entre livros de poemas.
Corro para casa dos P., atrás de adormecidos carros de condução.
Conduzo o leme primordial, mergulho nos laços das relações mais complexas da raça humana e queimo neurónios impotentes.
Puxo a vida, estico o tempo, agito memórias e humores. Mas serei sempre muito mais cuidada que cuidadora. Jogo dominó chinês e bocejo.
Recordo a cartolina que esqueci de comprar….e o papel autocolante…e o bostiK.
Penso no jantar, ainda hibernado no congelador de casa e recebo surpresa de P. com refeição já preparada, quase servida e dou graças.
Corro para o multibando. Apanho chuva. Levanto dinheiro para pagar à S…e ao Z.C….e à M.
Recolho filhas de escolas esquizofrénicas, levo-as aos apoios e explicações.
Regresso a casa com um turbilhão de histórias frenéticas de adolescentes eufóricas, que contam, em stereo, novidades mirabolantes de stores loucos e de Fannys ,de Marcos ,de Alexandras , que lhe poluem o cérebro e o sentido da realidade.
Chego tarde a casa.
Uma entre a multidão.
Sonho com os dias perfeitos. Tão raros e exímios.
Há dias perfeitos, em que chego cedo a casa e respiro.
Refaço camas frias, arrumo ténis soltos pela sala, ressuscito toalhas mortas, do chão da casa de banho, alimento tachos no fogão, desperto CDs esquecidos, abraço o gato , ronrono, abro e fecho gavetas e pensamentos.
Há dias perfeitos, em que chego cedo a casa e sorrio.
As orquídeas tiveram bebés e nascem as primeiras flores do ano.
Jardino, mudo vasos e terras.
Transplanto amores perfeitos, que teimam em viver no parapeito das minhas janelas e espero que todos cheguem a casa, para os abraçar.
cinzento
adj.
Da cor da cinza.
cinza
s. f.
1. Resíduos de um corpo queimado.
2. [Figurado] Restos mortais.
3. Memória dos finados. (Mais usado no plural.)
4. Luto; mortificação; dor.
Cause they say home is where your heart is set in stone!!
De regresso...
...Voltar a casa. Começar um novo ano.
Regressar e recomeçar são verbos que me redefinem.
Mas viajar,está gravado no meu ADN. Eu quero ir. Sempre. Não importa para onde. Sou viciada em andar na estrada. Sair de casa, ser estrangeira aos olhos dos outros, mas também reaprender a conviver com a imprevisibilidade da minha estranheza.
Fugir de mundos perfeitos e ser feliz com a minha fragilidade. Ser feliz por nada. Pisar fronteiras, mentais e geográficas.
Inquietude no olhar.
Sede em chegar...
Regressar por fim.
Olhos saciados de céu.
Continuar….
Há bolinhas por todo o lado...menos na árvore.
O alinhamento de bolinhas não vai acontecer, pelo menos cá em casa.
Simão chega às meias finais.
Nós, resistentes, sobreviventes,continuamos com o espírito da época a correr em sentidos opostos.
Lembro-me das luzes a piscar na árvore, do som esperado das chaves na porta, das novidades que trazia da rua, do entardecer. O pai chegava e trazia sempre um mimo. Naquela tarde desembrulhei à pressa o pacotinho calculável em forma de livro. Desfolhei devagar. Olhos ingénuos de quem já dera onze voltas ao sol.
‘Um conto de natal’, Charles Dickens! O olhar aterrador de Scrooge insinuava alguma familiaridade com as personagens avarentas, que conhecia das aulas de catequese da irmã Carmo.
De um lado, Cristo, e a sua partilha límpida e imensurável. Do outro lado, aqueles que nunca entrariam no reino dos céus, devido à arrogância de suas palavras e suas acções. Naquele tempo, para mim, havia os bons e os maus. Só muito mais tarde descobri que somos feitos desses dois ingredientes e que é a porção certa de cada um, em cada circunstância, que nos caracteriza.
Uma coisa era certa. Era natal. Pedi à mãe e fui à velha livraria Portugal. Tinha de comprar um livro ao pai. Se Scrooge era o protótipo de uma avareza sórdida, eu tinha de encontrar um pensamento de partilha e igualdade. Ora, nesse ano de setenta e coisa e tal, a palavra comunismo fascinava-me. Para mim Cristo era ‘pai’ dessa doutrina de fraternidade e comunhão. Para mim, ainda existia a fronteira entre os bons e os maus….mas já contei isso.
Comprei ‘O capital’ ( vários volumes que me levaram poupanças e tostões). Na contra capa podia ler :’econiza a comunidade de bens e a supressão da propriedade privada’ . Aquilo soava-me a cristianismo. Esta troca de presentes faz parte do meu imaginário de natal. O pai continuou a devorar livros e jornais. Não sei se chegou a ler este meu presente marxista. Mas para mim, Jesus e Marx eram muito semelhantes.
Dizem que a noite é boa conselheira...
Dizem que filho de peixe sabe nadar, que quem sai aos seus não degenera, que filho és pai serás, que filhos criados trabalhos dobrados e que quem tem filhos tem cadilhos.
Dizem também que não vale a pena chorar sobre o leite derramado, que a decepção é filha da expectativa, que em casa de ferreiro espeto de pau e que para a frente é que se anda.
Eu cá não gosto de ditados populares. Esta enfermidade de vivermos conforme aquilo que os outros pensam. Repugno falsas morais, débeis disfarces, com rabos de fora, pés de barro e telhados de vidro.
Eu sei que a galinha da vizinha será sempre melhor que a minha, que quando Deus fecha uma porta, abre sempre uma janela e que também Deus, escreve direito por linhas tortas. Será? Não sei! Só sei que quando acordarem vou mima-las e ama-las incondicionalmente.
Quem muito fala (ou escreve) pouco acerta… pois.
Bem,..... o silêncio será então de ouro.
Gosto de clareiras.
Gosto de florestas também…densas e húmidas. Sons quebrantes, folhas secas, raios tímidos de sol, fungos e animais receosos. Fazer parte, exalar, sentir unidade com a ‘mãe’.
Mas gosto de saber que existe uma clareira, algures. Lá, onde posso aquecer à soalheira do sol e olhar o céu azul índigo. Um círculo perfeito em cima da minha cabeça, a unidade com o ‘pai’.
Gosto desta dualidade divina.
Gosto de florestas….mas gosto t-a-n-t-o de clareiras!
....Não façam burulho!! - pediam baixinho, como se esperassem sons mágicos, vindo dos bosques secretos que só conhecem nos livros.
- Não façam barulho.......
Lá fora bateladas sinfónicas martelavam nos telhados de chapa.
O céu ia desabar nas suas cabeças de sonhos possíveis. Mas nada roubava os seus sorrisos de encantamento.
- Não façam barulho! Vamos ficar caladinhos a ouvir a chuva.
É tão linda !!
Um Dia de Chuva
Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem; cada um como é.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa
Em êxtase com as minhas árvores de outono! -
No lugar da árvore
No lugar da árvore. No lugar do ouvido.
No lugar do chão. Unidade crepitante
no silêncio aberto no Trânsito. Tronco, calma
bomba indeflagrável, dádiva da identidade.
António Ramos Rosa
Está aberta a época natalícia.
Por mera coincidência começou também o CFGB: Campeonato Futebol de Gatos e Bolinhas.
O alvoroço é uma constante e a nossa paciência é posta à prova.
Haja benevolência, bom humor, paz e amor , muita pachorra e todos aqueles predicados maravilhosos que alguns só desembrulham em dezembro.
Mas ,o Simão está a leste deste espírito mascarado, que encobre alguns humanos , durante este mês.
Para ele há festa, há árvore na sala, há escaladas, há desmoronamentos, há bolinhas….há o CFGB !
Repetia-se o ritual.
Semanal e sereno.
Todos os sábados começavam com aquela chama. Fogo e luz que se reacendiam e legendavam polaroids amareladas. A vela. O despertar. O divino.
Depois dizia bom dia à Terra.
Água.
Regava vasos e terras secas. Religava-se. Sorria. Caules tenros e verdes acordavam e davam sentido à delicadeza dos gestos e dos olhares.
Sentava-se. Olhava a janela. Chovia. De nada adiantava estender máquinas de roupa…abrir janelas, mudar camas, sacudir, sacudir …
Era boa e ilusória a sensação de tarefa cumprida…parecia que nada mais havia por fazer.
A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.
E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.
Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.
Manuel António Pina, in “Algo Parecido Com Isto, da Mesma Substância”
Neste mundo de 'cão' vão desaparecendo os homens'gato' !
( Dizem que a idade se 'cola' à estação do ano.
Eu cada vez estou mais outono.
E gosto ! )
'Não me mostres nenhum norte
nem estradas para lá:
são tudo embustes.
Mostra-me antes pedras, folhas mortas
de Outono atapetando o chão das matas,
voos de libelinha rasando o sol poente,
cândidas risadas infantis.
Quero eu dizer: mostra-me coisas
daquelas que se corrompem sem pressa.'
(A.M. Pires Cabral)
Desculpem me Giorgione , Cezanne , Renoir e Chagall .
Barrigas , beleza e verão não combinam !
Giorgione Sleeping Venus oil 1510
Paul Cezanne, de 1890
Renoir , 1897
Marc Chagal , 1917
Minha cabeça estremece com todo o esquecimento.
Eu procuro dizer como tudo é outra coisa.
Falo, penso.
Sonho sobre os tremendos ossos dos pés.
É sempre outra coisa, uma
só coisa coberta de nomes.
E a morte passa de boca em boca
com a leve saliva,
com o terror que há sempre
no fundo informulado de uma vida.
Sei que os campos imaginam as suas
próprias rosas.
As pessoas imaginam os seus próprios campos
de rosas. E às vezes estou na frente dos campos
como se morresse;
outras, como se agora somente
eu pudesse acordar.
Por vezes tudo se ilumina.
Por vezes canta e sangra.
Eu digo que ninguém se perdoa no tempo.
Que a loucura tem espinhos como uma garganta.
Eu digo: roda ao longe o outono,
e o que é o outono?
As pálpebras batem contra o grande dia masculino
do pensamento.
Deito coisas vivas e mortas no espírito da obra.
Minha vida extasia-se como uma câmara de tochas.
- Era uma casa - como direi? - absoluta.
Eu jogo, eu juro.
Era uma casinfância.
Sei como era uma casa louca.
Eu metias as mãos na água: adormecia,
relembrava.
Os espelhos rachavam-se contra a nossa mocidade.
Apalpo agora o girar das brutais,
líricas rodas da vida.
Há no esquecimento, ou na lembrança
total das coisas,
uma rosa como uma alta cabeça,
um peixe como um movimento
rápido e severo.
Uma rosapeixe dentro da minha ideia
desvairada.
Há copos, garfos inebriados dentro de mim.
- Porque o amor das coisas no seu
tempo futuro
é terrivelmente profundo, é suave,
devastador.
As cadeiras ardiam nos lugares.
Minhas irmãs habitavam ao cimo do movimento
como seres pasmados.
Às vezes riam alto. Teciam-se
em seu escuro terrífico.
A menstruação sonhava podre dentro delas,
à boca da noite.
Cantava muito baixo.
Parecia fluir.
Rodear as mesas, as penumbras fulminadas.
Chovia nas noites terrestres.
Eu quero gritar paralém da loucura terrestre.
- Era húmido, destilado, inspirado.
Havia rigor. Oh, exemplo extremo.
Havia uma essência de oficina.
Uma matéria sensacional no segredo das fruteiras,
com as suas maçãs centrípetas
e as uvas pendidas sobre a maturidade.
Havia a magnólia quente de um gato.
Gato que entrava pelas mãos, ou magnólia
que saía da mão para o rosto
da mãe sombriamente pura.
Ah, mãe louca à volta, sentadamente
completa.
As mãos tocavam por cima do ardor
a carne como um pedaço extasiado.
Era uma casabsoluta - como
direi? - um
sentimento onde algumas pessoas morreriam.
Demência para sorrir elevadamente.
Ter amoras, folhas verdes, espinhos
com pequena treva por todos os cantos.
Nome no espírito como uma rosapeixe.
- Prefiro enlouquecer nos corredores arqueados
agora nas palavras.
Prefiro cantar nas varandas interiores.
Porque havia escadas e mulheres que paravam
minadas de inteligência.
O corpo sem rosáceas, a linguagem
para amar e ruminar.
O leite cantante.
Eu agora mergulho e ascendo como um copo.
Trago para cima essa imagem de água interna.
- Caneta do poema dissolvida no sentido
primacial do poema.
Ou o poema subindo pela caneta,
atravessando seu próprio impulso,
poema regressando.
Tudo se levanta como um cravo,
uma faca levantada.
Tudo morre o seu nome noutro nome.
Poema não saindo do poder da loucura.
Poema como base inconcreta de criação.
Ah, pensar com delicadeza,
imaginar com ferocidade.
Porque eu sou uma vida com furibunda
melancolia,
com furibunda concepção. Com
alguma ironia furibunda.
Sou uma devastação inteligente.
Com malmequeres fabulosos.
Ouro por cima.
A madrugada ou a noite triste tocadas
em trompete. Sou
alguma coisa audível, sensível.
Um movimento.
Cadeira congeminando-se na bacia,
feita o sentar-se.
Ou flores bebendo a jarra.
O silêncio estrutural das flores.
E a mesa por baixo.
A sonhar.
Herberto Helder
Num país com baixos índices de escolarização e altos níveis de iliteracia, os pais tendem a confundir a preparação, a cultura e o conhecimento dos seus filhos com as notas que eles têm em exames. Este "conhecidómetro" instantâneo transformou-se no alfa e no ómega do nosso sistema educativo. Pouco interessa o que realmente se aprende na escola e qual a utilidade do que se aprende para o desenvolvimento intelectual, cultural, técnico e emocional (desculpem, "emocional" não, que é "eduquês") da criança (desculpem, "criança" não, que é "piegas") e do adolescente. A escola tem apenas uma função: preparar para os exames.
Um pai um pouco mais exigente, que tente acompanhar os estudos do seu filho, depara-se sempre com a mesma avassaladora e pragmática resposta: "pai, isso não me interessa, não sai no teste"; "mãe, não é assim que está no livro". A nossa escola promove duas coisas: a completa ausência de sentido crítico e a capacidade de memorização. Não desprezo a segunda, muitíssimo longe disso. Mas, se não me levarem a mal, não chega.
Na escola portuguesa também se despreza cada vez mais a capacidade de desenvolver projetos, em grupo ou individualmente, promove-se pouco o desejo de ir mais longe do que é debitado nas aulas e dá-se muito pouco valor à expressão oral. Depois de centenas de exames, um aluno com excelentes notas pode acabar a escola sem saber desenvolver oralmente uma ideia e sem conseguir argumentar num debate. Porque o essencial da avaliação é feita através de provas escritas, sem consulta, e iguais para todos.
Compreende-se esta opção: é aquela que melhor serve o raciocínio do burocrata. E para o burocrata a exigência não se mede por o gosto por aprender (ui, o que eu fui escrever!) e pelo desenvolvimento de capacidades que são forçosamente diferentes, de pessoa para pessoa. O burocrata abomina, pela sua natureza, as variações que lhe estragam os gráficos.
Os testes e exames não servem para avaliar o que se aprendeu nas aulas e fora delas, as aulas é que servem para os alunos se prepararem para os testes e exames. E avaliados de uma forma que, com raríssimas exceções, nunca mais vão voltar a experimentar na sua vida. Nunca mais, em toda a minha vida, me tive de sentar numa secretária e despejar por escrito o que, como a esmagadora maioria dos alunos, tinha decorado uns dias antes.
O ministro Nuno Crato passa por um reformador. Porque alguém meteu na cabeça das pessoas que há uma qualquer relação entre a "escola moderna" (um movimento pedagógico considerado libertário) e as práticas e teorias em vigor nas escolas públicas e no Ministério da Educação. Na realidade, a escola sonhada por Nuno Crato é muito próxima da escola que realmente temos. Ele apenas decidiu agravar todos os seus vícios: a "examinite" aguda, o domínio absoluto do que a gíria estudantil chama de "encornanço" e o predomínio burocrático da avaliação como princípio e fim das funções do ensino. Lamentavelmente, como poderemos ver comparando o nosso sistema educativo com os melhores da Europa - o finlandês, por exemplo, que tem os melhores resultados no mundo apenas tem, que eu saiba, um exame no fim do ensino secundário -, este sistema não prepara profissionais competentes, pessoas interessadas e cidadãos conscientes. Este sistema burocrático, pensado por burocratas, apenas forma excelentes burocratas.
Nuno Crato já tinha criado os exames no final do 2º ciclo e, absoluta originalidade em toda a Europa, no final do 1º ciclo. Promete agora a introdução de mais exames nacionais, no final de cada ciclo, em mais disciplinas. Não tenho a menor dúvida que a medida é popular. Popular entre muitos pais, que podem ver as capacidades dos seus filhos traduzidas em números, sem terem de acompanhar o que eles realmente sabem. Popular entre muitos professores com menos imaginação que têm assim metas bem definidas, sem a maçada de trabalhar com a singularidade de cada aluno.
A escola, como uma fábrica de salsichas, é o sonho do ministro contabilista, do professor sem vocação e do pai sem paciência.
Não vale a pena é enganar as pessoas: não se traduz em qualquer tipo de "exigência" (uma palavra com poderes mágicos, capaz de, só por ser dita, transformar a EB 2 3 de Alguidares de Baixo no Winchester College) nem em mais qualificação profissional e humana dos jovens portugueses. Os países que conseguiram dar à Escola Pública essa capacidade seguiram o caminho oposto. Aquele que Nuno Crato abomina.
Daniel Oliveira
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