Outono dos crepúsculos doirados,
De púrpuras, damascos e brocados!
- Vestes a terra inteira de esplendor!
Florbela Espanca
POEMA DE AMOR PARA USO TÓPICO
Quero-te, como se fosses
a presa indiferente, a mais obscura
das amantes. Quero o teu rosto
de brancos cansaços, as tuas mãos
que hesitam, cada uma das palavras
que sem querer me deste. Quero
que me lembres e esqueças como eu
te lembro e esqueço: num fundo
a preto e branco, despida como
a neve matinal se despe da noite,
fria, luminosa,
voz incerta de rosa.
NUNO JÚDICE
A Vida
A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua
mais que perfeita imprecisão, os dias que contam
quando não se espera, o atraso na preocupação
dos teus olhos, e as nuvens que caíram
mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações
a abrir-se para dentro e para fora
dos sentidos que nada têm a ver com círculos,
quadrados, rectângulos, nas linhas
rectas e paralelas que se cruzam com as
linhas da mão;
a vida que traz consigo as emoções e os acasos,
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram
e dos encontros que sempre se soube que
se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com
quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,
sob a luz indecisa que apenas mostra
as paredes nuas, de manchas húmidas
no gesso da memória;
a vida feita dos seus
corpos obscuros e das suas palavras
próximas.
Nuno Júdice, in "Teoria Geral do Sentimento"
A vida...
que escapa por entre os dedos, pedaços que
ficam, metades que escapam, ventos que
sopram, mãos que soltam ,
mãos que deslaçam, mãos que desfazem,prendem
laços após,
nós,palavras avós, na voz,
nós,pós,vento e razão.
A vida que escapa, a capa, a ilusão.
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa
Começaram hoje as Correntes d'Escritas, lá na Póvoa de Varzim.
Gostei de ouvir a comunicação de Maria Teresa Horta com «De que armas disporemos se não destas que estão dentro do corpo» (de um poema de Hélia Correia).
Lembrei-me logo da ' Arma secreta' do António Gedeão ( Rómulo de Carvalho) e da infantil encenação que eu fazia à volta da sua declamação, nos íntimos jantares de família.
E com a mesma infantilidade , pois a minha escrita continua muito naif e pouco literária , comecei a brincar com palavras.
De que armas disponho?
Voz que voa,
sangue e brisa,
fogo ardente,
gelo quente.
Tudo ou nada.
Sol ausente.
E um não sei quê emergente
que me prende
paralisa.
De que armas disponho?
Quase nada.
Tanto tudo.
E o terrível abismo
Bivalente….inocente
de estar longe
indiferente
mas ter vontade de mais,
mais e tudo
docemente.
Avidamente partir….
voltar só e descontente.
De que arma disponho?
Foi secreta.
Foi semente.
Hoje rara , raramente
é vertigem divergente.
Cresceu. Amadureceu.
Mas continua imprudente.
É a eterna utopia de rasgar o aparente.
De que armas disponho?
Só do amor.
Simplesmente.
....Não façam burulho!! - pediam baixinho, como se esperassem sons mágicos, vindo dos bosques secretos que só conhecem nos livros.
- Não façam barulho.......
Lá fora bateladas sinfónicas martelavam nos telhados de chapa.
O céu ia desabar nas suas cabeças de sonhos possíveis. Mas nada roubava os seus sorrisos de encantamento.
- Não façam barulho! Vamos ficar caladinhos a ouvir a chuva.
É tão linda !!
Um Dia de Chuva
Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem; cada um como é.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa
"A Lua nasceu e cresceu no além
A noite chegou também
Vai dormir meu amor
Vai dormir e sonhar
Deixa a lua crescer lá no ar
A roca poisou e largou seu fiar
Os olhos vai já fechar...
Nada pode impedir
Que o amor durma bem
Nem mau sonho há-de vir
Nem ninguém.
Tu verás meu amor
Como é bom sonhos ter
Deus te dê o melhor que houver.
Anjo meu faz ó ó.
Que eu velo por ti
Só aos anjos a lua sorri."
Cancioneiro popular português
Como tu
Olha o céu
tão azul
que agora ficou cinzento:
vai voltar a ser azul
e a ter sol.
Olha a luz
a partir-se,
bocadinho de arco-íris:
vai ficar da cor de arara
ou de pavão,
a luz.
Tudo muda
tudo cresce
e se transforma.
Como tu-
Ana Luísa Amaral
Viver sempre também cansa.
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase-verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis, sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...
E obrigam-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
«Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela.»
E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo...
José Gomes Ferreira, in Viver Sempre Também Cansa (1931)
( Dizem que a idade se 'cola' à estação do ano.
Eu cada vez estou mais outono.
E gosto ! )
'Não me mostres nenhum norte
nem estradas para lá:
são tudo embustes.
Mostra-me antes pedras, folhas mortas
de Outono atapetando o chão das matas,
voos de libelinha rasando o sol poente,
cândidas risadas infantis.
Quero eu dizer: mostra-me coisas
daquelas que se corrompem sem pressa.'
(A.M. Pires Cabral)
O bloguista também é um fingidor!!!!
AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
—Nos
—fios
—ten
sos
—da
—pauta
—de me-
tal
—as
— an/
do/
ri/
nhas
—gri-
tam
—por
—fal/
ta/
—de u-
ma
—cl'a-
ve
—de
—sol
António Nobre
....Mas na terra das andorinhas há árvores e ramos e troncos ....
....e os fios tensos das pautas de metal estão vazios e mudos.....
e a música enfeita todo o pomar.
Não prepares as palavras que gritas.
Fala consoante a loucura que te seduziu.
Enforca-te, bravo Crillon, eles te tirarão da forca com o seu Isso depende.
Daquilo que tem a cabeça sobre os ombros, abstem-te.
Forma os teus olhos fechando-os.
Deixa a madrugada aumentar a ferrugem dos teus sonhos.
Desenha na poeira os jogos desinteressados do teu tédio.
Nunca esperes por ti.
- André Breton e Paul Éluard
in A Imaculada Concepção, Estúdios Cor
Como quem num dia de Verão abre a porta de casa
E espreita para o calor dos campos com a cara toda,
Às vezes, de repente, bate-me a Natureza de chapa
Na cara dos meus sentidos,
E eu fico confuso, perturbado, querendo perceber
Não sei bem como nem o quê...
Mas quem me mandou a mim querer perceber?
Quem me disse que havia que perceber?
Quando o Verão me passa pela cara
A mão leve e quente da sua brisa,
Só tenho que sentir agrado porque é brisa
Ou que sentir desagrado porque é quente,
E de qualquer maneira que eu o sinta,
Assim, porque assim o sinto, é que é meu dever senti-lo...
Árvore, árvore....
Um dia serei árvore.
Com a maternal cumplicidade do verão.
Que pombos torcazes
anunciam.
Um dia abandonarei as mãos
ao barro ainda quente do silêncio,
subirei pelo céu,
......às árvores são consentidas coisas assim.
Habitarei então o olhar nu,
fatigado do corpo,
esse deserto
repetido nas águas,
enquanto a bruma é sobre as folhas
que pousa as mãos molhadas.
E o lume.
..... e fugir das minhas próprias palavras ???
De uma só vez recolhe
O meu mundo não é como o dos outros,
quero demais, exijo demais,
há em mim uma sede de infinito,
uma angústia constante
que nem eu mesma compreendo,
pois estou longe de ser uma pessimista;
sou antes uma exaltada,
com uma alma intensa,
violenta, atormentada,
uma alma que não se sente bem onde está,
que tem saudade... sei lá de quê!
Florbela Espanca
No início,
eu queria um instante.
A flor.
Depois,
nem a eternidade me bastava.
E desejava a vertigem
do incêndio partilhado.
O fruto.
Agora,
quero apenas
o que havia antes de haver vida.
A semente.
Mia Couto
Se Me Esqueceres
Quero que saibas
uma coisa.
Sabes como é:
se olho
a lua de cristal, o ramo vermelho
do lento outono à minha janela,
se toco
junto do lume
a impalpável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva para ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fosse pequenos barcos que navegam
até às tuas ilhas que me esperam.
Mas agora,
se pouco a pouco me deixas de amar
deixarei de te amar pouco a pouco.
Se de súbito
me esqueceres
não me procures,
porque já te terei esquecido.
Se julgas que é vasto e louco
o vento de bandeiras
que passa pela minha vida
e te resolves
a deixar-me na margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
a essa hora
levantarei os braços
e as minhas raízes sairão
em busca de outra terra.
Porém
se todos os dias,
a toda a hora,
te sentes destinada a mim
com doçura implacável,
se todos os dias uma flor
uma flor te sobe aos lábios à minha procura,
ai meu amor, ai minha amada,
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada se apaga nem se esquece,
o meu amor alimenta-se do teu amor,
e enquanto viveres estará nos teus braços
sem sair dos meus.
Pablo Neruda, in "Poemas de Amor de Pablo Neruda"
O minuto certo
Dizia-te do minuto certo. Do minuto certo do amor. Dizia-te que queria olhar para os teus olhos e ter a certeza que pensavas em mim. Que me pensavas por dentro. Que era eu a tua fantasia, o teu banco de trás. O teu desconforto de calças caídas, de pernas caídas, da rua que não estava fechada porque nenhuma rua se fecha para o amor.
Na cidade do meu sono, havia palmeiras onde alguns repetiam putas e charros e atiravam pedras ao rio. Mas eu nunca gostei de clichés. Nem de quartos de hotel. Nem de camas que não conheço. Eu nunca abri as pernas, entendes? Nunca abri as pernas no liceu. Nunca abri as pernas aos dezassete anos, de cigarro na mão. Eu nunca me comovi com o sonho de ser tua. Eu nunca quis que ficasses, entendes? Que viesses. Queria que quisesses de mim esse minuto certo, essa rua húmida de ser norte. Queria que me quisesses certa, exacta, como o minuto onde me pudesses encontrar. Eu nunca quis de ti uma continuidade, mas um alívio, uma noção de ser gente, entendes? Eu nunca quis de ti o sonho do sono ou da viagem. Nunca te pedi o pequeno-almoço, a ternura. Nunca te disse que me abraçasses por trás, que adormecesses. Eu nunca quis que me desses casa e filhos e lógica. Que me convidasses para dançar. Queria os teus olhos a fecharem-se comigo por dentro e tu por dentro de mim.
Queria de ti um minuto. Um minuto.
Filipa Leal
Reflexos
Olho-te pelo reflexo
Do vidro
E o coração da noite
E o meu desejo de ti
São lágrimas por dentro,
Tão doídas e fundas
Que se não fosse:
o tempo de viver;
e a gente em social desencontrado;
e se tivesse a força;
e a janela ao meu lado
fosse alta e oportuna,
invadia de amor o teu reflexo
e em estilhaços de vidro
mergulhava em ti.
In «Anos 90 e Agora Ana Luísa Amaral
Segredo
Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça
nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa
Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço
Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar
nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar
Maria Teresa Horta, in “Poesia Completa”
"Pedro, lembrando Inês", de Nuno Júdice
Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.
Eugénio de Andrade
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços…
319
O mar é a minha mais antiga obsessão. Vivi sempre perto do mar e dum mar que encheu a minha infância de alterosas vagas povoando de terror os meus sonhos. Mas longe do mar ainda hoje sinto um inexplicável exílio.
Penso nisto lendo um livro de A.S. De repente, na página 289, está escrito: envelhecer é multiplicar-se interiormente.
Ana Hatherly, "351 Tisanas", Quimera Editores, Lisboa 1997
A partir de hoje no Teatro do Bairro.
O pão
Há pessoas que amam
Com os dedos todos sobre a mesa.
Aquecem o pão com o suor do rosto
E quando as perdemos estão sempre
Ao nosso lado.
Por enquanto não nos tocam:
A lua encontra o pão caiado que comemos
Enquanto o riso das promessas destila
Na solidão da erva.
Estas pessoas são o chão
Onde erguemos o sol que nos falhou os dedos
E pôs um fruto negro no lugar do coração.
Estas pessoas são o chão
Que não precisa de voar.
Rui Costa ( 1972- 2012)
Os poetas continuam a viver intensamente, cada segundo,......tendo crises invisíveis,atirando-se de pontes, cortando os pulsos.....
Se, depois de eu morrer... Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, Não há nada mais simples. Tem só duas datas --- a da minha nascença e a da minha morte. Entre uma e outra todos os dias são meus. Sou fácil de definir. Vi como um danado. Amei as coisas sem setimentalidade nenhuma. Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei. Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver. Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras; Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento. Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais. Um dia deu-me o sono como a qualquer criança. Fechei os olhos e dormi. Além disso fui o único poeta da Natureza. Alberto Caeiro
Beija-me as mãos,
Amor,
devagarinho ...
Como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho ...
Beija-mas bem! ...
Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos
Os beijos que sonhei prà minha boca! ...
Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas"
Começo a conhecer-me. Não existo.
Começo a conhecer-me.
Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
ou metade desse intervalo, porque também há vida ... Sou isso, enfim ...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.
Álvaro de Campos
O que desejei às vezes
Diante do teu olhar,
Diante da tua boca!
Quase que choro de pena
Medindo aquela ansiedade
Pela de hoje - que é tão pouca!
Tão pouca que nem existe!
De tudo quanto nós fomos,
Apenas sei que sou triste.
António Botto
É sempre a mesma curva
cega, neste troço de pedra lascada,
não há como escapar
às primeiras chuvas
ao piso escorregadio dos olhos,
despiste, falésia mortal,
o coração não entende
sinais vermelhos.
Renata Correia Botelho
O vento agita as sombras na minha mão,
lança-me vultos, um nome em chamas, versos afiados contra os dedos.
Sempre pressenti a distância mínima entre o poema
e o medo de não saber regressar a casa.
Já nada nos lembra que o poema só se forma no fio da navalha.
Renata Correia Botelho
[in Um Circo no Nevoeiro, Averno, 2009]
fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer? olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.
José Luís Pexoto
"Prendo-te com minha mão
num afago que te dou...
Nossa conversa é tão muda
como um filme de Charlot."
Matilde Rosa Araújo
Mimosas
Todos os anos na mesma altura
a montanha veste o mesmo vestido amarelo
para ver se ainda lhe serve na cintura
(in "O Poeta Nu", Jorge Sousa Braga)
«Posso morrer porque amei e porque fui amada. Gostei de homens, de mulheres, de velhas (de velhos não), de bebés, de bichos, de plantas, de casas, de filmes, de concertos, de quadros, de teorias, de jogos, de pastéis de nata, de jesuítas, de russos, de hamburgers, de Paris e de Londres. Nunca fui a Nova York e gostava de ir, mas não me importo de morrer sem ter ido. Também nunca tive um orgasmo, mas posso morrer sem nunca ter tido um orgasmo. Não me arrependo de nada. É claro que Nova York não se compara com um orgasmo. Um orgasmo é muito mais importante.»
LOPES, Adília, “Irmã Barata, Irmã Batata”, Braga: Angelus Novus, 2000. p. 13-14.
« Morrer é uma coisa fascinante...» dizia.
«E de novo a armadilha dos abraços.
E de novo o enredo das delícias.
O rouco da garganta, os pés descalços
a pele alucinada de carícias.
As preces, os segredos, as risadas
no altar esplendoroso das ofertas.
De novo beijo a beijo as madrugadas
de novo seio a seio as descobertas.
Alcandorada no teu corpo imenso
teço um colar de gritos e silêncios
a ecoar no som dos precipícios.
E tudo o que me dás eu te devolvo.
E fazemos de novo, sempre novo
o amor total dos deuses e dos bichos.»
Rosa Lobato Faria (Actriz, escritora, autora e poetisa portuguesa, 1932- 2 de Fevereiro 2010 )
Cada dia é mais evidente que partimos
Cada dia é mais evidente que partimos
Sem nenhum possível regresso no que fomos,
Cada dia as horas se despem mais do alimento:
Não há saudades nem terror que baste.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Antologia
Círculo de Poesia
Moraes Editores
1975
Saudades de Ary...
este mar não tem cura
este céu não tem ar
nós parámos o vento
não sabemos nadar
e morremos morremos
devagar devagar.
Ver mais aqui : www.youtube.com/watch
Jorge de Sena faria 90 anos no dia 2 de Novembro. Sepultado no Cemitério dos Prazeres, 31 anos depois de ter morrido na Califórnia, Sena só regressou à pátria depois de morto. Que razões teve Jorge de Sena - um dos maiores escritores do século XX, um dos gigantes da Língua Portuguesa - para ter estado tão zangado com Portugal? Será verdade que era sempre truculento, irascível?
Sinais de fogo |
Sinais de fogo, os homens se despedem. exaustos e tranquilos, destas cinzas frias. E o vento que essas cinzas nos dispersa não é de nós, mas é quem reacende outros sinais ardendo na distância um breve instante, gestos e palavras. ansiosas brasas que se apagam logo. Jorge de Sena in Visão Perpétua Julho/Agosto 1967 |
Foi por vontade de Deus
que eu vivo nesta ansiedade.
Que todos os ais são meus,
Que é toda minha a saudade.
Foi por vontade de Deus.
Que estranha forma de vida
tem este meu coração:
vive de forma perdida;
Quem lhe daria o condão?
Que estranha forma de vida.
Coração independente,
coração que não comando:
vive perdido entre a gente,
teimosamente sangrando,
coração independente.
Eu não te acompanho mais:
pára, deixa de bater.
Se não sabes aonde vais,
porque teimas em correr,
eu não te acompanho mais.
by Amália Rodrigues
Mesmo
uma linha
recta
é o labirinto
porque
entre
cada dois pontos
está o infinito.
Adília Lopes
Quando chega o Outono....
Na sua cidadezinha rural não a poderiam compreender. Consideravam-na uma excêntrica, um ser fora da realidade, um "mito" (como em Amherst era apelidada), especialmente depois que decidiu vestir-se apenas de branco. Seu pai sentia-se perplexo ante seu procedimento que não obedecia aos parâmetros convencionais. Sua mãe considerava-a um mistério e uma constante surpresa. Emily, deliberadamente, isolou-se em si mesma. Seu exílio foi a alternativa lógica para realizar-se como ser humano ímpar, dando corpo a sua genialidade.
O exemplo abaixo demonstra a dificuldade de tradução do poema "A word is dead" de Dickinson.
A word is dead
When it is said,
Some say.
I say it just
Begins to live
That day.
O ESPÍRITO
Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;
E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.
Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:
Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.
Natália Correia
. Agosto
. Ruy Belo este domingo no ...
. Ouviste a chuva hoje, ouv...
. Plural
. Dombéias
. Encontrar me nas palavras...
. Alimento
. Espanca
. Sabe a prunus pissardii e...
. Florbela
. Tisanas - um antídoto con...
. Mimos guardados dentro da...
. Desejos
. Era uma vez... para sempr...
. A poesia é o antídoto da ...
. Rosa
. ________________________ ...