As árvores, por exemplo, toleram bem o tédio:
praticamente nada acontece no reino vegetal de uma floresta,
e não é por essa razão que as exaltações guerreiras
se multiplicam. O homem
- disse o velho - deveria aprender a imitar
o ímpeto lento das árvores
que sem serem vistas e jamais parando, sobem sempre.
Canto VI, 49
Se Me Esqueceres
Quero que saibas
uma coisa.
Sabes como é:
se olho
a lua de cristal, o ramo vermelho
do lento outono à minha janela,
se toco
junto do lume
a impalpável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva para ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fosse pequenos barcos que navegam
até às tuas ilhas que me esperam.
Mas agora,
se pouco a pouco me deixas de amar
deixarei de te amar pouco a pouco.
Se de súbito
me esqueceres
não me procures,
porque já te terei esquecido.
Se julgas que é vasto e louco
o vento de bandeiras
que passa pela minha vida
e te resolves
a deixar-me na margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
a essa hora
levantarei os braços
e as minhas raízes sairão
em busca de outra terra.
Porém
se todos os dias,
a toda a hora,
te sentes destinada a mim
com doçura implacável,
se todos os dias uma flor
uma flor te sobe aos lábios à minha procura,
ai meu amor, ai minha amada,
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada se apaga nem se esquece,
o meu amor alimenta-se do teu amor,
e enquanto viveres estará nos teus braços
sem sair dos meus.
Pablo Neruda, in "Poemas de Amor de Pablo Neruda"
O minuto certo
Dizia-te do minuto certo. Do minuto certo do amor. Dizia-te que queria olhar para os teus olhos e ter a certeza que pensavas em mim. Que me pensavas por dentro. Que era eu a tua fantasia, o teu banco de trás. O teu desconforto de calças caídas, de pernas caídas, da rua que não estava fechada porque nenhuma rua se fecha para o amor.
Na cidade do meu sono, havia palmeiras onde alguns repetiam putas e charros e atiravam pedras ao rio. Mas eu nunca gostei de clichés. Nem de quartos de hotel. Nem de camas que não conheço. Eu nunca abri as pernas, entendes? Nunca abri as pernas no liceu. Nunca abri as pernas aos dezassete anos, de cigarro na mão. Eu nunca me comovi com o sonho de ser tua. Eu nunca quis que ficasses, entendes? Que viesses. Queria que quisesses de mim esse minuto certo, essa rua húmida de ser norte. Queria que me quisesses certa, exacta, como o minuto onde me pudesses encontrar. Eu nunca quis de ti uma continuidade, mas um alívio, uma noção de ser gente, entendes? Eu nunca quis de ti o sonho do sono ou da viagem. Nunca te pedi o pequeno-almoço, a ternura. Nunca te disse que me abraçasses por trás, que adormecesses. Eu nunca quis que me desses casa e filhos e lógica. Que me convidasses para dançar. Queria os teus olhos a fecharem-se comigo por dentro e tu por dentro de mim.
Queria de ti um minuto. Um minuto.
Filipa Leal
Reflexos
Olho-te pelo reflexo
Do vidro
E o coração da noite
E o meu desejo de ti
São lágrimas por dentro,
Tão doídas e fundas
Que se não fosse:
o tempo de viver;
e a gente em social desencontrado;
e se tivesse a força;
e a janela ao meu lado
fosse alta e oportuna,
invadia de amor o teu reflexo
e em estilhaços de vidro
mergulhava em ti.
In «Anos 90 e Agora Ana Luísa Amaral
Segredo
Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça
nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa
Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço
Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar
nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar
Maria Teresa Horta, in “Poesia Completa”
"Pedro, lembrando Inês", de Nuno Júdice
Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.
Eugénio de Andrade
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços…
Sempre difícil encontrarmo-nos,
difícil, sempre, separarmo-nos.
E murcha cada flor no vento que declina.
Terminado que é o fio, morre na Primavera o bicho da seda.
A vela seca as lágrimas - quando já é só cinza.
De madrugada, o espelho faz-me triste, mudados nele os meus cabelos.
A voz que canta na noite, acorda o frio sentido do luar.
Daqui não é longe... daqui à ilha dos imortais,
Pássaro azul*, depressa gostava de lhe dar uma espreitadela.
[ Li Shangyn ]
* Pássaro Azul» no original, quingniao, nome dado ao mensageiro de Xiwangmu, rainha-mãe do Ocidente, filha do Senhor Celeste, soberano dos lugares onde o Sol se põe.
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